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Artigo | O Projeto do Novo CPP e os riscos à segurança pública e ao combate à criminalidade

Por: LÊ NOTÍCIAS
13/05/2021 11:34
Arquivo/Lê Notícias

Por Diego Roberto Barbiero*

Tramita na Câmara dos Deputados, em regime especial, o texto substitutivo apresentado pelo Deputado João Campos (Republicanos-GO) ao Projeto de Lei n. 8045/2010, do Senado Federal, que trata sobre o Novo Código de Processo Penal (NCPP).

Sob a justificativa de modernização do Processo Penal e substituição do regramento atual - que estaria “indissociavelmente ligado ao ideário fascista” – o novo texto traz sérias implicações à efetividade da justiça criminal.

Entre vários pontos que demandam atenção, vou me ater, aqui, aos que se relacionam à atividade investigativa do Ministério Público, à redução do prazo de duração dos Inquéritos Policiais, à previsão da existência de “investigação defensiva”, à incorporação do “Juiz de Garantias” à sistemática nacional e à substancial mudança no processo e julgamento dos crimes afetos ao Tribunal do Júri.

Quanto ao primeiro ponto, o art. 19 do Substitutivo parece não ser simpático à ideia da condução de investigação criminal pelo Ministério Público. A possibilidade, aliás, já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 593.727, em que foi fixada a tese, apresentada pelo Ministro Celso de Mello, de que o Ministério Público pode promover, por autoridade própria e prazo razoável, investigações de natureza criminal, desde que respeitadas as garantias constitucionais e legais, bem como o controle jurisdicional dos atos.

A tese apresentada pelo Supremo Tribunal Federal deriva do princípio dos poderes implícitos: embora sejam as polícias civil e federal compreendidas como polícias judiciárias, a Constituição atribuiu ao Ministério Público a titularidade do exercício da ação penal - e o exercício requisitório à Autoridade Policial é uma das funções institucionais atribuídas pela Constituição ao Ministério Público. Logo, não haveria o porquê de se proibir que o Ministério Público também efetuasse investigações.

Ainda que, no § 3º do art. 19 do Substitutivo, haja a ressalva de que Ministério Público poderá promover a investigação criminal quando houver fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político, a vagueza dos termos cria um ambiente de insegurança jurídica e traz inegáveis prejuízos à celeridade investigativa, essencial ao êxito da atividade. Como há de ser comprovado esse risco de ineficácia? Seria necessário ao Ministério Público aguardar eventual insucesso investigativo da Polícia Judiciária, Civil ou Federal, para dar início à investigação? Com essa condição, os elementos comprobatórios da infração não pereceriam? Limitar a atividade investigativa entre órgãos que comungam da missão de reduzir a criminalidade é, forçoso convir, uma opção que não guarda afeição à proteção que a sociedade merece.

O Art. 34 do Substitutivo também traz preocupações à atividade investigativa ao limitar o prazo de duração da investigação conduzida pela Polícia Judiciária. De fato, o Inquérito Policial já está sujeito, hoje, a um prazo certo de duração: é o prazo prescricional previsto no art. 109 do Código Penal, calculado com base na pena máxima prevista em cada crime. Em muitos casos, especialmente os que envolvem a atuação da criminalidade organizada, as equipes investigativas adotam diferentes estratégias até conseguir reunir evidências contundentes sobre a existência da infração e a participação dos investigados. Algumas medidas judicialmente deferidas, como a quebra de sigilo bancário e fiscal, são de análise extremamente extenuante. E se já tem um parâmetro, acertadamente baseado na gravidade do crime (quanto mais grave o crime, maior sua pena e, consequentemente, maior será o prazo prescricional), por qual motivo trazer-se uma limitação temporal geral de 720 dias?

Quanto à criação da figura do Juiz de Garantias, dados do Conselho Nacional de Justiça indicam que, hoje, no Brasil, há, em média, 8 juízes para cada 100 mil habitantes. Esse número refere-se a toda a atividade da magistratura, e não apenas à atividade perante a justiça criminal. Todo juiz já traz, consigo, a obrigação de vinculação à imparcialidade. A efetivação do modelo proposto resultará na necessidade de ampliação dos quadros da magistratura, o que invariavelmente demandará alocação de mais recursos públicos para a manutenção do Poder Judiciário. Apenas para ilustrar, dados do CNJ indicam que alguns países que adotam o modelo do juiz de garantias têm, em média, 14 juízes para cada 100 mil habitantes. É praticamente o dobro da média nacional. E nas comarcas longínquas que possuem vara única (um juiz para conhecimento de todas as matérias), como ficaria essa divisão? O Brasil é um país de dimensões continentais. Difícil imaginar como se poderia operacionalizar, no dia a dia, a instituição desse sujeito processual. É, assim, um assunto que demanda mais planejamento, inclusive orçamentário, para que se possa refletir sobre os efetivos benefícios versus os reais custos para modificação estrutural da magistratura nacional.

Outro tema extremamente complexo, trazido no texto do Substitutivo, e que demanda maior debate e aprofundamento teórico, é a previsão da existência da “investigação defensiva”. Numa investigação conduzida por um particular, quais seriam os mecanismos de controle? No âmbito da Polícia há a corregedoria e o controle externo exercido pelo MP. No âmbito do MP há controle pela corregedoria, pelo Poder Judiciário e pelo CNMP. No âmbito privado, quem controlará os atos e zelará pelo resguardo dos direitos fundamentais de quem passa a ser investigado sem ter praticado crime algum, mas só pelo infortúnio de conhecer algo que possa vir a ser relevante para o exercício da defesa de quem está sendo processado pelo Estado? O parágrafo único do art. 48, aliás, expressamente desincumbe o advogado, o defensor público ou quaisquer outros profissionais, inclusive detetives particulares, de informar à autoridade judicial ou policial os fatos investigados defensivamente. Nos moldes propostos, parece haver sérios riscos à proteção da privacidade dos cidadãos brasileiros, circunstância que evidentemente colide com a garantia fundamental prevista no art. 5º da nossa Constituição.

O Substitutivo também traz profundas alterações ao processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida – alterações essas que resultarão, não tenho dúvidas, no incentivo à criminalidade e no aumento da impunidade, prejudicando os principais interessados em qualquer reforma legislativa: os cidadãos brasileiros! Primeiro porque suprime a primeira etapa de julgamento dos crimes dolosos contra a vida, chamada de sumário da culpa. Hoje, o sumário da culpa existe justamente para que somente os casos em que haja prova do crime e indícios suficientes de autoria ou participação sejam submetidos ao plenário. No sumário da culpa é observado o contraditório e as provas são produzidas pelas partes sob o controle do Poder Judiciário. Na formatação proposta, sob a justificativa de dar celeridade ao processamento dos crimes dolosos contra a vida, o Substitutivo prevê que, com a investigação concluída, caberá ao Ministério Público, se for o caso, oferecer a denúncia, ao que se seguira à apresentação de defesa – com prazo previsto de 45 dias para apresentação, aumentando substancialmente o atual prazo de 10 dias. Com a apresentação da defesa, decidirá o juiz pela submissão do acusado ao júri, sendo expresso, no art. 390, que, se houver dúvidas, deverá o juiz rejeitar a denúncia. Essa regra cria uma obrigatoriedade que inverte a lógica consolidada na nossa história jurídica: como o juiz togado não é competente para decidir sobre o mérito dos crimes dolosos contra a vida, essa dúvida é resolvida, na atual sistemática, justamente com a submissão do acusado a julgamento por seus pares, no Tribunal do Júri. Mas não para por aí. No júri, por força do disposto no art. 452 do Substitutivo, fica o MP impossibilitado de fazer menção aos depoimentos colhidos durante a investigação. O Substitutivo tolhe o juiz da causa, o jurado, de conhecer a investigação e o árduo trabalho trilhado pela Polícia. E, como não haverá mais sumário da culpa, a prova será toda produzida na sessão plenária. Na frente do acusado. Na frente dos jurados. Na frente da comunidade e dos familiares do acusado. Aí eu lhe questiono, nobre leitor: qual testemunha assumirá, para si, o risco de acusar publicamente um integrante de uma organização criminosa como autor de um homicídio? Terá tamanho ato de altruísmo para quiçá ver a justiça feita – mas colocando a própria vida e de seus familiares em risco? E os criminosos que atuam de forma organizada, sabedores de que apenas o depoimento prestado no júri terá validade probatória, ficarão pacientemente esperando as declarações da testemunha ou agirão de forma a lhe imprimir medo e temor, fazendo com que altere a versão verdadeira dos fatos? Mas não é só! O substitutivo cria um intrincado sistema de votação: haverá uma fase preliminar, em que os jurados votarão eventuais teses desclassificatórias da imputação (de homicídio para lesão corporal seguida de morte, por exemplo); vencida a fase preliminar, passa-se à fase ordinária. Nessa os jurados escolherão, entre si, um jurado-diretor e um jurado-secretário. Após, deliberarão sobre o seguinte questionamento: “Deve o acusado ser absolvido”? E, para nossa surpresa, o substitutivo prevê que a resposta a essa pergunta deve ser apresentada de forma unânime. Isso quer dizer que haverá, necessariamente, violação ao sigilo das votações, uma das garantias fundamentais asseguradas ao tribunal do júri, prevista no art. 5º, XXXVIII, da Constituição, e que a existência de um jurado, apenas um jurado, que entenda não ser possível a condenação, resultará na absolvição do acusado. Ainda assim, se superada a fase ordinária, passarão os jurados à fase extraordinária, em que deverão votar sobre tantas teses quantas forem apresentadas em plenário, estabelecendo-se um sistema confuso e que exige conhecimento técnico dificilmente dominado pelos jurados.

Há de se ter o máximo resguardo dos direitos fundamentais dos investigados? Sem dúvida! Mas também não se pode perder de vista que a segurança pública é também um direito fundamental, de natureza difusa, que sustenta a vida em sociedade. E, em alguns casos, o alcance dos direitos fundamentais individuais pode ser minimizado – sem ser esvaziado – para que a tutela da segurança pública seja efetivamente garantida pelo Estado. Um importante instrumento processual, como o Código de Processo Penal, não deveria ser aprovado com tantas modificações – prejudiciais à defesa da sociedade – sem haver interlocução profunda com a comunidade jurídica e, principalmente, com o cidadão, que crê e espera que o Estado lhe garanta a segurança necessária para que possa chegar em casa, após um extenuante dia de trabalho, a salvo de ações criminosas.

*Promotor de Justiça no MP/SC. Professor de Direito Processual Penal na Escola do MP/SC. Membro Auxiliar na UNCMP (CNMP). Mestre em Direitos Fundamentais.


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